Davi Livingstone
Célebre missionário e explorador
(1813-1873)
Certo comerciante, ao visitar a abadia de
Westminster, em Londres, onde se acham sepultados os reis e vultos eminentes da
Inglaterra, inquiriu qual o túmulo, excluindo o do "soldado
desconhecido", que é mais visitado. O porteiro respondeu que era o de Davi
Livingstone. São poucos os humildes e fiéis servos de Deus que o mundo
distingue e honra assim.
Conta-se que, em Glasgow, depois de passar dezesseis
anos na África, Livingstone foi convidado a fazer um discurso perante o corpo
discente da universidade. Os alunos resolveram vaiar esse "camarada
missionário'', fazendo o maior barulho possível. Certa testemunha do
acontecimento disse: "Contudo, desde o momento em que Livingstone
compareceu perante eles, magro e delgado, depois de cair trinta e uma vezes de
febre nas matas da África, e com um braço descansando numa tipóia, depois do
encontro com um leão, os alunos guardaram grande silêncio. Ouviram, com o maior
respeito, tudo que o orador relatou e amaneira como Jesus cumprira a sua
promessa: "Eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos
séculos".
Davi Livingstone nasceu na Escócia. Seu
pai, Neil Livingstone, contava aos filhos as proezas de seus antepassados, por
oito gerações. Um dos bisavôs de Davi, com a família, fugira dos cruéis
pactuários, para os pantanais e montes escabrosos, onde podia adorar a Deus em
espírito e em verdade. Mas mesmo esses cultos, que se realizavam entre os
espinhos e, às vezes, no gelo, eram interrompidos, de vez em quando, pela
cavalaria que chegava galopando para matar ou levar presos, tanto homens como
mulheres.
Os pais de Davi criaram seus filhos no
temor do Senhor. O lar era sempre alegre e servia como notável modelo de todas
as virtudes domésticas. Não se perdia uma hora durante os sete dias da semana e
o domingo era esperado e honrado como o dia de descanso. Com a idade de nove
anos, Davi ganhou um Novo Testamento, prêmio oferecido ao repetir de cor o
capítulo mais comprido da Bíblia, o Salmo 119.
"Entre as recordações mais sagradas da
minha infância", escreveu Livingstone, "estão as da economia da minha
mãe para que os poucos recursos fossem suficientes para todos os membros da
família. Quando completei dez anos de idade, meus pais me colocaram em uma
tecelagem para que eu ajudasse a sustentar a família. Com parte do salário da
primeira semana, comprei uma gramática de latim".
Davi iniciava o dia na tecelagem, às seis
horas da manhã e, com intervalos para o café e o almoço, trabalhava até oito da
noite. Segurava a sua gramática aberta na máquina de fiar algodão e, enquanto
trabalhava, estudava-a linha por linha. Às oito horas da noite, dirigia-se, sem
perder tempo, à escola noturna. Depois das aulas, estudava as lições para o dia
seguinte, às vezes, até a meia-noite, quando a mãe tinha de obrigá-lo a apagar
a luz e dormir.
A inscrição no túmulo dos pais de Davi
Livingstone indica as privações no lar paterno:
Para marcar o lugar onde descansa
Neil Livingstone, e
Agnes Hunter, sua esposa
e para exprimir a gratidão a Deus
dos seus filhos:
João, Davi, Janet, Carlos e Agnes,
por pais pobres e piedosos
Os amigos insistiam em que ele mudasse as
últimas palavras para "pais pobres, mas piedosos". Contudo, Davi
recusou porque, para ele, tanto a pobreza, como a piedade eram motivos de
gratidão. Sempre considerou o fato de aprender a trabalhar longos dias, mês
após mês, ano atrás ano, na fábrica de algodão, uma das maiores felicidades da
sua vida.
Nos dias feriados, Davi gostava de pescar e
fazer longas excursões pelos campos e às margens dos rios. Esses passeios
extensos lhe serviam tanto de instrução como de recreio; saía para verificar na
própria natureza o que estudara nos livros sobre botânica e geologia. Sem o
saber, ele assim se preparava em corpo e mente para as explorações científicas
e para o que escreveria com exatidão acerca da natureza na África.
Aos vinte anos, houve grande mudança
espiritual em Davi Livingstone, que determinou o rumo de todo o resto da sua
vida. "A bênção divina inundou-lhe o ser como inundara o coração do
apóstolo Paulo ou de Agostinho, e outros do mesmo tipo, dominando os desejos
carnais... Atos de abnegação, muito difíceis de executar sob a lei férrea da
consciência, tornaram-se em serviços de vontade livre sob o brilho do amor
divino... É evidente que fora movido por uma força calma, mas tremenda, dentro
do próprio coração, até o fim da vida. O amor que começou a comovê-lo, na casa
paterna, continuou a inspirá-lo durante todas as longas e enfadonhas viagens
pela África, e o levou a ajoelhar-se, à meia-noite, no rancho em Ilala, de onde
seu espírito, enquanto ainda orava, voltou ao seu Deus e Salvador.
Davi, desde a infância, ouvia falar de um
missionário valente na China, cujo nome era Gutzlaff. Nas suas orações, à
noite, ao lado de sua mãe, orava por ele. Com a idade de dezesseis anos, Davi
começou a sentir desejo profundo de fazer conhecido o amor e a graça de Cristo
àqueles que jaziam em densas trevas, e resolveu firmemente no coração dar,
também sua vida, como médico e missionário, ao mesmo país, a China.
Ao mesmo tempo, o professor da sua classe
na Escola Dominical, Davi Hogg, o aconselhava: "Ora, moço, faça da
religião o motivo principal da sua vida cotidiana e não uma coisa inconstante,
se quer vencer as tentações e outras coisas que o querem derribar". E Davi
assentou no seu coração dirigir sua vida por essa norma.
Ao completar nove anos de serviços na
fábrica, foi promovido a um trabalho mais lucrativo. Conseguiu completar seus
estudos, recebendo o diploma de licenciado da Faculdade de Médicos e Cirurgiões
de Glasgow, sem ter recebido um tostão de auxílio de alguém.
Se os crentes não o tivessem aconselhado a
que falasse à Sociedade Missionária de Londres acerca de enviá-lo como
missionário, ele depois declarou que teria ido por seus próprios esforços.
Durante todos os anos de estudos para ser
médico e missionário, sentia-se dirigido para ir a China. Certa vez, numa
reunião, ouviu o discurso de um homem, de barba comprida e branca, alto,
robusto e de olhos bondosos e penetrantes, chamado Roberto Moffat. Esse
missionário voltara da África, um país misterioso, cujo interior era então
desconhecido. Os mapas desse continente tinham no centro enormes espaços em
branco, sem rios e sem serras. Falando da África, Moffat disse a Davi
Livingstone: "Há uma vasta planície ao norte, onde tenho visto, nas manhãs
ensolaradas, a fumaça de milhares de aldeias, onde nenhum missionário ainda
chegou".
Comovido, ao ouvir falar em tantas aldeias
sem o Evangelho e sabendo que não podia mais ir à China por causa de guerra que
havia naquele país, Livingstone respondeu: "Irei imediatamente para a
África".
Com isso os irmãos da missão concordaram e
Davi voltou ao humilde lar em Blantire para se despedir dos pais e irmãos. Às
cinco horas da manhã, do dia 17 de novembro de 1840, a família se levantou.
Davi leu os salmos 121 e 135com eles. As seguintes palavras ficaram gravadas no
seu coração, para o fortalecerem no calor e perigos durante os longos anos que
passou depois, na África: "O sol não te molestará de dia e nem a lua de
noite... O Senhor guardará a tua entrada e a tua saída, desde agora e para
sempre". Depois de orarem, despediu-se da sua mãe e irmãs e andou a pé,
com seu pai que o acompanhou até Glasgow. Depois de se despedirem um do outro,
Davi embarcou no navio para não mais ver, aqui na terra, o rosto nobre de Neil
Livingstone.
A viagem de Glasgow ao Rio de Janeiro e,
por fim, à cidade do Cabo, na África, durou três meses. Mas Davi não
desperdiçou o tempo. O comandante se tornou seu amigo íntimo e ajudou-o a
preparar os cultos, nos quais Davi pregava aos tripulantes do navio. O novo
missionário aproveitou, também, a oportunidade a bordo para aprender a usar o
sextante e saber exatamente a posição do navio, observando a lua e as estrelas.
Essa ciência lhe foi mais tarde de incalculável valor para orientar-se nas
viagens de evangelização e exploração no imenso interior desconhecido do qual
"subia a fumaça de mil vilas sem missionário".
Da cidade do Cabo, a viagem de 190 léguas
foi feita aos solavancos, num carro de boi, através de campos incultos. A
viagem durou dois meses, até chegar em Curumã, onde devia esperar o regresso de
Roberto Moffatt. Desejava estabelecer-se em um lugar cinqüenta a sessenta
léguas mais para o norte de qualquer outro em que houvesse obra missionária.
Para aprender a língua e os costumes do
povo, nosso pioneiro passava o tempo viajando e vivendo entre os indígenas. O
seu boi de sela passava a noite amarrado, enquanto ele assentava-se com os
africanos ao redor do fogo, ouvindo as lendas dos seus heróis. Livingstone, por
sua vez, contava-lhes as preciosas e verdadeiras histórias de Belém, da
Galiléia e da Cruz. Continuou sempre os seus estudos enquanto viajava, fazendo
mapas dos rios e serras do território percorrido. Em uma carta a um amigo
escreveu que descobrira trinta e duas qualidades de raízes comestíveis e
quarenta e três espécies de fruteiras que davam no deserto sem serem
cultivadas. De um ponto que alcançou, faltavam-lhe apenas dez dias de viagem
para chegar ao grande lago Ngami, que descobriu sete anos depois.
De Curumã, o missionário, licenciado da
Faculdade de Médicos e Cirurgiões de Glasgow, escreveu a seu pai: "Tenho
uma clientela grande. Há pacientes aqui que andaram mais de sessenta léguas
para receberem tratamento médico. Esses, ao regressarem, enviarão outros para o
mesmo fim".
Estabeleceu a sua primeira missão no lindo
vale de Mabotsa, na terra de Bacarla. Em uma carta, escrita de Curumã,
Livingstone assim descreveu o local que escolhera para centro de evangelização:
"Está situado em um anfiteatro de serras que se intitula 'Mabotsa', isto
é, 'Ceia de Bodas'. Que Deus nos ilumine com a sua presença, para que, por
intermédio de servos tão fracos, muito povo ache entrada para a Ceia das Bodas
do Cordeiro!"
Foi em Mabotsa que teve o histórico
encontro com um leão. Acerca disso escreveu Davi: "Ele saltou e me
alcançou o ombro; ambos fomos ao chão. Rosnando horrivelmente perto do meu
ouvido, sacudiu-me como um cão faz a um gato. Os abalos que me deu o animal
produziram-me um entorpecimento igual ao que deve sentir um rato, depois da
primeira sacudidela que lhe dá o gato. Atacou-me uma espécie de adormecimento,
em que não senti dor nem sensação de temor".
Contudo, antes de a fera ter tempo de o
matar, deixou-o para atacar outro homem que, de lança na mão, entrara na luta.
O ombro dilacerado de Livingstone nunca sarou completamente: ele nunca mais
pôde apontar um rifle ou levar a mão à cabeça sem sentir dores.
Foi na casa de Roberto Moffatt, em Curumã,
que chegou a conhecer Maria, a filha mais velha desse missionário. Depois de
abrir a missão em Mabotsa os dois se casaram. Seis filhos foram o fruto desse
enlace.
Depois de Livingstone se casar, a Escola
Dominical em Mabotsa transformou-se em escola diária, tendo sua esposa como
professora. Schele, o chefe da tribo, tornou-se grande estudante da Bíblia, mas
queria "converter" todo o seu povo à força de "litupa",
isto é, chicote de couro de rinoceronte. Schele iniciou culto doméstico em casa
e o próprio Livingstone se admirou da sua maneira, simples e nata, de orar. Era
o costume de Livingstone começar o dia com culto doméstico e não é de admirar
que o chefe o adotasse também.
Livingstone foi obrigado a mudar-se para
Chonuane, dez léguas distante e, mais tarde, por falta de água, ele e todo o
povo mudaram-se para Colobeng. Foi nesse último lugar que o chefe da tribo
construiu uma casa para os cultos e Livingstone construiu com grande sacrifício
de dinheiro e labor, a sua terceira casa de residência. Nessa casa morou cinco
anos para nunca mais conseguir fixar residência em qualquer lugar na terra.
Acerca do trabalho nesse lugar, assim se
expressou: "Aqui temos um campo muitíssimo difícil de cultivar... Se não
confiássemos que o Espírito Santo opera em nós, desistiríamos em
desespero".
Através do deserto de Calari, chegavam
boatos de um grande lago e de um lugar chamado ''Fumaça Barulhenta", o que
ele julgava ser uma grande cachoeira. As secas o oprimiam tanto em Colobeng que
Livingstone resolveu fazer uma viagem de exploração e achar um lugar mais ideal
para estabelecer a sua missão. Assim, em 1º de junho de 1849, com o chefe da
tribo, seus "guerreiros", três brancos e sua família, saíram para
atravessar o grande deserto de Calari. O guia do grupo, Romotobi, conhecia o
segredo de subsistir no deserto, cavando com as mãos e chupando a água debaixo
da areia por meio dum canudo.
Depois de viajarem muitos dias, chegaram ao
rio Zouga. Ao inquirir os indígenas, estes o informaram de que o rio tinha
nascente em uma terra de rios e florestas. Livingstone ficou convicto de que o
interior da África não era um grande deserto como o mundo de então supunha, e o
seu coração ardia com o desejo de achar uma via fluvial, para outros
missionários irem para o interior do continente, com a mensagem de Cristo.
"A perspectiva", escreveu ele,
"de achar um rio que dê entrada a uma vasta, populosa e desconhecida
região, aumentou constantemente desde então; aumentou tanto que, quando, por
fim chegamos ao grande lago, esse importante descobrimento, em si mesmo,
parecia de pouca monta".
Foi em 1º de agosto de 1849 que o grupo
atingiu o lago Ngami, tão grande é esse lago que, de uma margem, não se avista
a margem oposta. Sofreram longos dias de cruciante sede sem obter uma gota
dágua, mas venceram todas as dificuldades e descobriram esse lago enquanto
outros exploradores mais bem equipados, mas menos persistentes, falharam.
As notícias do descobrimento foram
comunicadas à Royal Geographical Society, o que lhe votou uma bela recompensa
de vinte e cinco guinéus, "por ter descoberto uma importante terra, um
importante rio e um grande lago".
O grupo teve de voltar a Colobeng. Depois
de alguns meses, porém, iniciou novamente viagem para o lago Ngami. Não queria separar-se
da sua família e levou-a em um carro de boi. Mas, ao alcançar o rio Zouga, os
filhos foram atacados pela febre e ele teve de voltar com a família. Nasceu-lhe
uma filha, que morreu logo de febre. Livingstone, contudo, ficou mais firme do
que nunca, na sua resolução de achar um caminho para levar o Evangelho ao
interior da África.
Depois de descansar alguns meses com a
família, na casa de seu sogro, em Curumã, saíram com o propósito de achar um
lugar saudável onde pudesse estabelecer uma missão mais para o interior. Foi nessa
viagem, em junho de 1851, que descobriu o maior rio da África Oriental, o Zambeze,
rio do qual o mundo de então nunca ouvira falar.
No seguinte trecho que Livingstone
escreveu, descobre-se algo do que tinham de sofrer nessas viagens: "Um dos
assistentes desperdiçou a água que levávamos no carro e, à tarde, tínhamos
apenas um restinho para as crianças. Passamos a noite angustiados e na manhã
seguinte, quanto menos havia de água, tanto mais aumentava a sede das crianças.
O pensamento de elas perecerem diante de nossos olhos, nos perturbava. Na tarde
do quinto dia, sentimos grande alívio, quando um dos homens voltou trazendo
tanto desse líquido como jamais antes havíamos pensado."
Livingstone, convicto de que era a vontade
de Deus que saísse para estabelecer outro centro de evangelização, ecom
indômita fé de que o Senhor supriria todo o necessário para cumprir a sua
vontade, avançava sem vacilar.
Depois de descobrir o rio Zambeze,
Livingstone veio a saber que os lugares saudáveis eram sujeitos a serem
saqueados em qualquer tempo por outras tribos. Só nos lugares infestados de
doença e febre é que se achavam tribos específicas.
Resolveu, portanto, enviar a esposa para
descansar na Inglaterra enquanto ele continuava as suas explorações a fim de
estabelecer um centro para a obra de evangelização. Via-se forçado a
estabelecer tal centro, porque os boêres holandeses invadiam o território,
roubando as terras e o gado dos indígenas, pondo em prática um regime da mais
vil escravatura. Livingstone enviou crentes fiéis para evangelizar os povos em
redor, mas os boêres acabaram com essa obra, matando muitos dos indígenas e destruindo
todos os bens que o missionário possuía em Colobeng.
Livingstone levou sua família para a cidade
do Cabo, de onde seus queridos embarcaram em um navio para a Inglaterra.
Foi nesse tempo, quando Deus suprira todo o
necessário para a família voltar à Inglaterra, que disse: "Oh! Amor
divino, eu não te amo com a força, a profundidade e o ardor que convém!"
A separação da família causou-lhe profunda
mágoa, mas dirigiu o rosto heroicamente de novo para socorrer as infelizes
tribos do interior da África.
Havia três motivos que o aconselhavam a
fazer uma viagem de exploração: Primeiro, queria achar um lugar para residir
com a família entre os "barotses" e evangelizá-los. Segundo, a
comunicação entre o território dos "barotses" e a cidade do Cabo era
muito demorada e difícil e queria descobrir um caminho para um porto mais
próximo. Terceiro, queria fazer todo o possível para influenciar as autoridades
contra o horrendo tráfico de escravos.
Foi nessa época da sua vida que
Livingstone, por suas proezas, tornou-se conhecido no mundo inteiro.
No seu ardor, desejando que Deus lhe
poupasse a vida e o usasse em abrir o continente para a entrada do Evangelho,
orou assim: "Ó Jesus, rogo que me enchas agora com oteu amor e me aceites
e me uses um pouco para a tua glória. Até agora não fiz nada para ti, mas quero
fazer algo. Oh! eu te imploro que me aceites e me uses e que seja tua toda a glória".
Escreveu mais ainda: "Não valeria coisa alguma o que possuo ou o que
possuirei, a não ser em relação ao reino de Cristo. Se alguma coisa que tenho
pode servir para o seu reino, dar-lha-ei a Ele, a quem devo tudo neste inundo e
durante a eternidade".
Livingstone atravessou, ida e volta, o
continente africano, desde a foz do Zambeze a São Paulo de Luanda, façanha essa
realizada pela primeira vez por um branco. Nas suas memórias que escrevia
diariamente, nota-se como admirava as lindas paisagens de um continente que o mundo
julgava ser um vasto deserto.
Chegou a Luanda, magro e doente. Apesar da
insistência do cônsul britânico para que regressasse à Inglaterra, a fim de
recuperar a saúde abalada, ele voltou novamente, por outro caminho, para levar
seus fiéis companheiros até em casa, conforme lhes prometera antes de iniciarem
a viagem.
Nessa viagem, Livingstone descobriu as
magníficas cataratas de Vitória, nome que ele deu às grandes quedas em honra da
rainha da Inglaterra. Nesse lugar, o rio Zambeze tem a largura de mais de um quilômetro;
ali as águas desse grande rio se precipitam espetacularmente de uma altura de
cem metros.
Levingstone continuou a pregar o Evangelho
constantemente, às vezes a auditórios de mais de mil indígenas. Antes de tudo,
esforçava-se para ganhar a estima das tribos hostis, por onde passava, por sua
conduta cristã, em grande contraste com a dos mercadores de escravos.
Sozinho, com os seus fiéis macololos, caiu
trinta e uma vezes de febre nos matagais, durante um período de sete meses. Mas
não era tanto o sofrimento físico. Suas cartas revelam a sua angústia de
espírito ao ver os horrores do povo africano massacrado e arrebatado dos seus
lares, conduzido como gado para ser vendido no mercado. De um lugar alto onde subiu,
contou dezessete aldeias em chamas, incendiadas por esses nefandos mercadores
de seres humanos.Prometera à sua esposa reunir-se com a família depois de dois
anos, mas passaram-se quatro anos e meio antes que ela recebesse qualquer
notícia dele!
Por fim, após uma ausência de dezessete
anos da pátria, regressou à Inglaterra. Voltou à civilização e à sua família
como quem volta da morte. Antes de desembarcar, soube que seu querido pai
falecera. Em toda a história de Livingstone, não se conta um acontecimento mais
comovente do que o seu encontro com a esposa e filhos. Na Inglaterra, foi aclamado
e honrado como heróico descobridor e grande benfeitor da humanidade. Os diários
publicavam os seus atos de bravura. As multidões afluíam para ouvi-lo contar a
sua história. "O doutor Livingstone era muito humilde... Temia passear nas
ruas, receando ser atropelado pelas massas. Certo dia, na Regent Street, em
Londres, foi apertado por tão grande multidão, que só com grande dificuldade conseguiu
refugiar-se num táxi. Pela mesma razão evitava ir aos cultos. Certa vez,
desejoso de assistir ao culto, meu pai persuadiu-o a ocupar um assento debaixo
da galeria, em um lugar não visível ao auditório. Mas foi descoberto e o povo
passou por cima dos bancos para cercá-lo e apertar-lhe a mão".
Uma das muitas coisas que levou a efeito,
enquanto na Inglaterra, foi a de escrever seu livro: Viagens Missionárias, obra
que alcançou enorme circulação e produziu mais interesse na questão africana do
que qualquer movimento anterior.
Em março de 1858, com a idade de 46 anos,
Livingstone, acompanhado de sua esposa e filho mais novo, Osvaldo, embarcou novamente
para a África. Deixando os dois na casa do sogro, o missionário Moffatt,
Livingstone continuou as suas viagens. No ano seguinte, descobriu o lago
Niassa. Recebeu, também, uma carta da esposa, da casa de seus pais em Curumã,
informando-o do nascimento de mais uma filha. A menina já estava há quase um
ano no mundo quando o pai soube do seu nascimento.
As explorações dos rios Zambeze, Tete e
Shire e do lago Niassa, foram feitas com o propósito de saber quais os pontos
mais estratégicos para a evangelização, e missionários foram enviados da
Inglaterra para ocuparem esses lugares.Em 1862 a esposa reuniu-se a ele
novamente, e acompanhava-o nas viagens, mas três meses depois faleceu, vítima
da febre e foi enterrada em uma encosta verdejante na margem do rio Zambeze. Np
seu diário, Livingstone assim escreveu: "Chorei-a porque merece as minhas
lágrimas. Amei-a ao nos casarmos, e quanto mais tempo vivíamos juntos, tanto
mais a amava. Que Deus tenha piedade dos filhos..."
Um dos maiores obstáculos que Livingstone
enfrentou na obra missionária foi o terror dos indígenas ao verem um rosto de
homem branco. Aldeias inteiras em ruínas; fugitivos escondendo-se nos campos de
alto capim, sem nada terem para comer; centenas de esqueletos e cadáveres
insepultos; comboios de homens e mulheres algemados aos troncos, seguros pelo
pescoço, eram conduzidos aos portos - É difícil concebermos a magnitude da
desolação criada por homens cruéis que participavam do tráfico de escravos.
Esses homens tentavam, também, com ódio
cruel e arte diabólica, terminar com a obra de Livingstone. Finalmente
conseguiram, por meio da política do seu país, induzir a Inglaterra a chamá-lo
de volta à sua terra. Foi assim que Livingstone chegou de novo à sua pátria
depois de uma ausência de cerca de oito anos.
Os crentes e amigos na Inglaterra, animados
pela visão de Livingstone, começaram a orar e enviar-lhe dinheiro para
continuar sua obra no continente negro. O nosso herói desembarcou pela terceira
e última vez na África, em Zanzibar.
Na expedição que iniciou em Zanzibar,
descobriu os lagos Tanganyka (1867), Moero (1867) e Bangueolo (1868). Passou
cinco longos anos explorando as bacias desses lagos. A oração e a Palavra de
Deus foram o seu sustento espiritual durante esses anos de provações, que sofria
por parte dos negociantes de escravos.
Resolveu, então, fazer o possível para
descobrir as nascentes do rio Nilo e solver um problema que durante milhares de
anos havia zombado dos geógrafos. Sabia que se descobrisse as nascentes do
famoso Nilo, o mundo todo lhe daria ouvidos acerca da chaga aberta da África,
com o comércio de escravos. É interessante conhecer o que ele escreveu: "O
mundo acha que busco fama, porém eu tenho uma regra, isto é, não leio coisa
alguma sobre os elogios que me fazem". Ele sabia que, ao findar a escravatura,
o continente se abriria para deixar entrar o Evangelho.
Durante os longos intervalos entre os
períodos em que suas cartas eram recebidas na Inglaterra, vindas do coração da
África, circularam boatos de que Livingstone morrera. Não só os homens que
traficavam com escravos queriam matá-lo, mas também muitos dos próprios indígenas,
por não acreditarem existir um homem branco que fosse amigo de coração. Ele
mesmo contou muitos fatos relacionados com as ciladas na terra do Maniuema para
o matarem. Nesse lugar, ele escreveu no seu diário: "Li toda a Bíblia
quatro vezes, enquanto estive em Maniuema". Na solidão achou grande
conforto nas Escrituras.
Reconhecia sempre a possibilidade de
perecer nas mãos dos inimigos, mas sempre respondia à insistência dos amigos
com esta pergunta: - "Não pode o amor de Cristo constranger o missionário
a ir onde a traficância leva o mercador de escravos?"
Pela primeira vez, nos milhares de léguas
que caminhou, os pés do pioneiro falharam. Obrigado a ficar algum tempo em uma
cabana, todos os seus companheiros o abandonaram, à exceção de três que ficaram
com ele.
Por fim, chegou a Ujiji, reduzido a pele e
ossos, por causa da grave doença que sofrera em Maniuema. Não tinha recebido
cartas havia dois anos e esperava receber também as provisões que enviara para
lá. Contudo, as cartas não haviam chegado. Com o corpo enfraquecido, e destituído
de roupas e alimentos, veio a saber que lhe tinham roubado tudo. Nessa
situação, ele escreveu: "Na minha pobreza senti-me como o homem que,
descendo de Jerusalém a Jericó, caiu nas mãos de ladrões. Não tinha esperança
de que sacerdotes, levitas ou o bom samaritano viesse em meu socorro.
Entretanto, quando minha alma se achava mais abatida, o bom samaritano já estava
bem perto de mim!"
O "bom samaritano" era Henrique
Stanley, enviado pelo New York Herald, à insistência de muitos milhares de
leitores desse jornal, para saber ao certo se Livingstone ainda vivia, ou, no
caso de ter morrido, para trazer seu corpo.
Stanley passou o inverno com Livingstone.
Mas este se recusou a ceder à insistência daquele de voltar à Inglaterra.
Livingstone podia voltar e descansar entre amigos, com todo o conforto, mas
preferiu ficar e realizar seu anelo de abrir o continente africano ao
Evangelho.
A sua última viagem foi feita para explorar
o Luapula, a fim de verificar se esse rio era a nascente do Nilo ou do Congo.
Nessa região chovia incessantemente. Livingstone sofria dores atrozes; dia após
dia tornava-se-lhe mais e mais difícil caminhar. Foi então carregado, pela primeira
vez, pelos fiéis companheiros: Susi, Chuman e Jacó Wainwright, todos indígenas.
No seu diário, as últimas notas que
escreveu dizem: "Cansadíssimo, fico... Recuperada a saúde... Estamos nas
margens do Mililamo".
Chegaram à aldeia de Chitambo, em Ilala
onde Susi fez uma cabana para ele. Nessa cabana, a 1º de maio de 1873, fiel
Susi achou seu bondoso mestre de joelhos, ao lado da cama - morto. Orou
enquanto viveu e partiu deste mundo orando!
Os dois fiéis companheiros, Susi e Chuman,
enterraram o coração de Livingstone abaixo de uma árvore em Chitambo, secaram e
embalsamaram o corpo, e o levaram até a costa - viagem que durou alguns meses,
pelo território de várias tribos hostis. O sacrifício desses valentes filhos da
África, sem terem qualquer propósito de remuneração, não será esquecido por
Deus, nem pelo mundo.
O corpo, depois de chegar em Zanzibar, foi
transportado para a Inglaterra, onde foi sepultado na Abadia de Westminster,
entre os monumentos dos reis e heróis daquela nação. Não havia dúvida quanto ao
corpo de Livingstone; era fácil de identificar: o osso de cima do braço esquerdo
tinha distintamente as marcas dos dentes do leão que o atacara.
Entre os que assistiram ao enterro, estavam
seus filhos e o velho missionário Roberto Moffatt, pai da sua querida esposa. A
multidão consistia de povo humilde, que o amava e dos grandes, que o honravam e
respeitavam.Conta-se que havia, entre as multidões que permaneciam nas calçadas
das ruas de Londres no dia em que o cortejo, com o corpo de Davi Livingstone,
passava, um velho chorando amargamente. Ao lhe perguntarem por que chorava,
respondeu: - "É porque Davizinho e eu nascemos na mesma aldeia, cursamos o
mesmo colégio e assistimos a mesma Escola Dominical, trabalhávamos na mesma
máquina de fiar. Mas Davizinho foi por aquele caminho, eu por este. Agora ele é
honrado pela nação, enquanto eu sou desprezado, desconhecido e desonrado. O
único futuro para mim é o enterro de beberrão".
Não é somente o ambiente, mas a escolha na
mocidade é que determina o destino, não só aqui no mundo, mas para toda a
eternidade.
Quando Livingstone falou aos alunos da
Universidade de Cambridge, em 1857, disse: "Por minha parte, nunca cesso
de me regozijar por Deus ter-me apontado para tal ofício. O povo fala do
sacrifício de eu passar tão grande parte da vida na África. - Será sacrifício
pagar uma pequena parte da dívida, dessa dívida que nunca poderemos liquidar,
do que devemos ao nosso Deus? É sacrifício aquilo que traz a bendita recompensa
de saúde, o conhecimento de praticar o bem, a paz de espírito e a viva
esperança de um glorioso destino? Longe esteja tal idéia! Digo com ênfase: Não
é sacrifício... Nunca fiz sacrifício. Não devemos falar dos nossos sacrifícios,
ao nos lembrarmos do grande sacrifício que fez Aquele que desceu do trono de
seu Pai, nas alturas, para se entregar por nós".
Se Livingstone não tivesse adoecido, teria
descoberto as nascentes do Nilo. Durante os trinta anos que passou na África,
nunca se esqueceu do seu alvo principal que era levar Cristo aos povos desse
escuro continente. Todas as viagens que realizou foram viagens missionárias.
Gravadas no seu túmulo podem ser lidas
estas palavras: "O coração de Livingstone jaz na África, seu corpo
descansa na Inglaterra, mas sua influência continua".
Gravados para sempre na história da Igreja
de Cristo estão os grandes êxitos na África durante um período demais de 75
anos depois de sua morte, êxitos inspirados, em grande parte, pelas orações e
persistência desse eminente servo de Deus, que foi fiel até a morte.
Bibliografia:
BOYER, Orlando. Heróis da Fé – Vinte Homens Extraordinários
que Incendiaram o Mundo. 2ª ed. Rio de Janeiro: CPAD. 1986, pgs. 109 – 122.
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