Martinho Lutero
O grande reformador
(1483-1546)
No cárcere, sentenciado pelo Papa a ser queimado vivo, João
Huss disse: "Podem matar o ganso (na sua língua, 'huss' é ganso), mas
daqui a cem anos, Deus suscitará um cisne que não poderão queimar".
Enquanto caía a neve, e o vento frio uivava como fera em
redor da casa, nasceu esse "cisne", em Eisleben, Alemanha. No dia
seguinte, o recém-nascido era batizado na Igreja de São Pedro e São Paulo.
Sendo o dia de São Martinho, recebeu o nome de Martinho Lutero.
Cento e dois anos depois de João Huss expirar na fogueira,
o "cisne" afixou, na porta da Igreja em Wittenberg, as suas noventa e
cinco teses contra as indulgências, ato que gerou a Grande Reforma. João Huss
enganara-se em apenas dois anos, na sua predição.
Para dar o valor devido à obra de Martinho Lutero, é
necessário notar algo das trevas e confusão dos tempos em que nasceu.
Calcula-se que, pelo menos, um milhão de albigenses foram
mortos na França, a fim de cumprir a ordem do Papa, para que esses
"hereges" fossem cruelmente exterminados. Wyclif, "a Estrela da
Alva da Reforma", traduzira a Bíblia para a língua inglesa. João Huss,
discípulo de Wyclif, morrera na fogueira, na Boêmia, suplicando ao Senhor que
perdoasse aos seus perseguidores. Jerônimo de Praga, companheiro de Huss e
também erudito, sofrera o mesmo suplício, cantando hinos, nas chamas, até o
último suspiro. João Wessália, notável pregador de Erfurt, fora preso por
ensinar que a salvação é pela graça; seu frágil corpo fora metido entre ferros,
onde morreu quatro anos antes do nascimento de Lutero. Na Itália, quinze anos
depois de Lutero nascer, Savonarola, homem dedicado a Deus e fiel pregador da
Palavra, foi enforcado e seu corpo reduzido a cinzas, por ordem da Igreja
Romana.
Em tempos assim, nasceu Martinho Lutero. Como muitos dos
mais célebres entre os homens, era de família pobre. Dizia ele: "Sou filho
de camponeses; meu pai, meu avô e meu bisavô eram verdadeiros camponeses".
A isso acrescentava: "Há tanta razão para vangloriarmo-nos de nossa
ascendência, quanto há para o Diabo se orgulhar da sua linhagem angélica".
Os pais de Martinho, para vestir, alimentar e educar seus
sete filhos, esforçavam-se incansavelmente. O pai trabalhava nas minas de
cobre; a mãe, além do serviço doméstico, trazia lenha às costas, da floresta.
Os pais, não somente se interessavam pelo desenvolvimento
físico e intelectual dos filhos, mas também do espiritual. O pai, quando
Martinho chegou à idade de compreender, ensinou-o a ajoelhar-se ao lado da sua
cama, à noite, e rogava a Deus que fizesse o menino lembrar-se do nome de seu
Criador (Eclesiastes 12.1)..
A sua mãe era sincera e devota; ensinou seus filhos a
considerarem todos os monges como homens santos, e a sentirem todas as
transgressões dos regulamentos da igreja como transgressões das leis de Deus.
Martinho aprendeu os Dez Mandamentos, o "Pai Nosso", a respeitar a
Santa Sé na distante e sagrada Roma, e a olhar, tremendo, para qualquer osso ou
fragmento de roupa que tivesse pertencido a algum santo. A base da sua religião
formava-se mais em que Deus é um juiz vingativo, do que um amigo de crianças
(Mateus 19.13-15). Quando já era adulto, Lutero escreveu: "Estremecia e
tornava-me pálido ao ouvir alguém mencionar o nome de Cristo, porque fui ensinado
a considerá-lo como um juiz encolerizado. Fomos ensinados que devíamos, nós
mesmos, fazer propiciação por nossos pecados; que não podemos fazer compensação
suficiente por nossa culpa, que é necessário recorrer aos santos nos céus, e
clamar a Maria para desviar de nós a ira de Cristo."
O pai de Martinho, satisfeitíssimo pelos trabalhos
escolares do filho, na vila onde morava, mandou-o, aos treze anos, para a
escola franciscana na cidade de Magdeburgo.
O moço apresentava-se freqüentemente no confessionário, onde
o padre lhe impunha penitências e o obrigava a praticar boas obras, para obter
a absolvição. Esforçava-se incessantemente para adquirir o favor de Deus, pela
piedade, desejo esse que o levou mais tarde à vida de convento.
Para conseguir a sua subsistência em Magdeburgo, Martinho
era obrigado a esmolar pelas ruas, cantando canções de porta em porta. Seus
pais, achando que em Eisenach passaria melhor, mandaram-no para estudar nessa
cidade, onde moravam parentes de sua mãe. Porém esses parentes não o auxiliaram,
e o moço continuou a mendigar o pão.
Quando estava a ponto de abandonar os estudos, j)ara
trabalhar com as mãos, certa senhora de recursos, D. Ursula Cota, atraída por
suas orações na igreja e comovida pela humilde maneira de receber quaisquer
restos de comida, na porta, acolheu-o entre a família. Pela primeira vez Lutero
sentira fartura. Mais tarde, ele referia-se à cidade de Eisenach como a
"cidade bem amada". Quando Lutero se tornou famoso, um dos filhos da
família Cota cursava em Wittenberg, onde Lutero o recebeu na sua casa.
Domiciliado na casa da sua extremosa mãe adotiva, D.
Ursula, Martinho desenvolveu-se rapidamente, recebendo uma sólida educação. Seu
mestre, João Trebunius, era homem culto e de métodos esmerados. Não maltratava
os alunos como os demais mestres. Conta-se que, ao encontrar os moços da sua
escola, cumprimentava-os tirando o chapéu, porque "ninguém sabia quais
seriam dentre eles os doutores, regentes, chanceleres e reis..." O
ambiente da escola e no lar era-lhe favorável para produzir um caráter forte e
inquebrantável, tão necessário para enfrentar os mais temíveis inimigos de
Deus.
Martinho Lutero era mais sóbrio e devoto que os demais
rapazes da sua idade. Acerca deste fato, D. Ursula, na hora da morte, disse que
Deus tinha abençoado o seu lar grandemente desde o dia em que Lutero entrara em
sua casa.
Logo depois, os pais de Martinho alcançaram certa
abastança. O pai alugou um forno para fundição de cobre e depois passou a
possuir mais dois. Foi eleito vereador na sua cidade e começou a fazer planos
para educar seus filhos. Mas Martinho nunca se envergonhou dos dias da sua
provação e miséria; antes reconhecia que fora a mão de Deus dirigindo-o e
qualificando-o para a sua grande obra.
- Como poderia alguém, depois de homem feito, encarar fiel
e destacadamente as vicissitudes da vida, se não aprendesse por experiência
enquanto era jovem?
Aos dezoito anos, Martinho ansiava estudar numa
universidade. Seu pai, reconhecendo a idoneidade do filho, enviou-o a Erfurt, o
centro intelectual do país, onde cursavam mais de mil estudantes. O moço
estudou com tanto afinco que, no fim do terceiro semestre, obteve o grau de
bacharel em filosofia. Com a idade de vinte e um anos, alcançou o segundo grau
acadêmico e o de doutor em filosofia. Os estudantes, professores e autoridades
prestaram-lhe significativa homenagem.
Havia dentro dos muros de Erfurt, cem prédios que
pertenciam à igreja, inclusive oito conventos. Havia, também uma importante
biblioteca, que pertencia à universidade, e aí Lutero passava todo o tempo de
que podia dispor. Sempre suplicava fervorosamente a Deus que o abençoasse nos
estudos. Dizia ele: "Orar bem é a melhor parte dos estudos." Acerca
dele escreveu certo colega: "Cada manhã ele precede seus estudos com uma
visita à igreja e uma prece a Deus".Seu pai, desejoso de que seu filho se
formasse em direito e se tornasse célebre, comprou-lhe a caríssima obra:
"Corpus Juris".
Mas a alma de Lutero suspirava por Deus, acima de todas as
coisas. Vários acontecimentos influenciaram-no a entrar para a vida monástica,
passo que entristeceu profundamente seu pai e horrorizou seus companheiros de
universidade.
Primeiro, achou na biblioteca o maravilhoso Livro dos
livros, a Bíblia completa, em latim. Até aquela ocasião, supunha que as
pequenas porções escolhidas pela igreja para serem lidas aos domingos,
constituíssem o todo da Palavra de Deus. Depois de uma longa leitura, exclamou:
"Oh! se a Providência me desse um livro como este, só para mim!"
Continuando a ler as Escrituras, o seu coração começou a perceber a luz, e a
sua alma a sentir ainda mais sede de Deus.
A essa altura, quando se bacharelou, os estudos
custaram-lhe uma doença que o levou às portas da morte. Assim, a fome pela
Palavra de Deus ficou ainda mais enraizada no coração de Lutero. Algum tempo
depois da sua doença, em viagem para visitar a família, sofreu um golpe de
espada, e duas vezes quase morreu antes de um cirurgião conseguir pensar-lhe a
ferida. Para Lutero, a salvação da sua alma ultrapassava qualquer outro anelo.
Certo dia, um de seus íntimos amigos na Universidade foi
assassinado. "Ah!" exclamou Lutero, horrorizado, "o que seria de
mim se eu tivesse sido chamado desta para a outra vida tão
inopinadamente!"
Mas, de todos esses acontecimentos, o que mais o abalou em
espírito, foi o que experimentou durante uma terrível tempestade, quando
voltava de visitar seus pais. Não havia abrigo próximo. Os céus estavam em
brasa, os raios rasgavam as nuvens a cada instante. De repente um raio caiu ao
seu lado. Lutero, tomado de grande susto, e sentindo-se perto do Inferno,
prostrou-se gritando: "Sant'Ana, salva-me e tornar-me-ei monge!"
Lutero chamava a esse incidente "A minha estrada,
caminho de Damasco" e não tardou em cumprir a sua promessa feita a
Sant'Ana. Convidou então os seus colegas para cearem com ele. Depois da
refeição, enquanto eles se divertiam com palestras e música, repentinamente
anunciou-lhes que dali em diante poderiam considerá-lo como morto, pois ia
entrar para o convento. Debalde os seus companheiros procuraram dissuadi-lo do
seu plano. Na escuridão da mesma noite, o moço, antes de completar vinte e dois
anos, dirigiu-se ao convento dos agostinianos e bateu. A porta abriu-se e
Lutero entrou. O professor admirado e festejado, a glória da universidade,
aquele que passara os dias e as noites curvado sobre os livros, tornara-se
irmão agostiniano!
O mosteiro dos agostinianos era o melhor dos claustros de
Erfurt. Seus monges eram os pregadores da cidade, estimados por suas obras
entre os pobres e oprimidos. Nunca houve um monge naquele convento mais
submisso, mais devoto, mais piedoso, do que Martinho Lutero. Submetia-se aos
serviços mais humildes, como o de porteiro, coveiro, varredor da igreja e das
celas dos monges. Não recusava mendigar o pão cotidiano para o convento, nas
ruas de Erfurt.
Durante o ano de noviciado, antes de Lutero ser feito
monge, os seus amigos fizeram tudo para dissuadi-lo de confirmar esse passo. Os
companheiros, que convidara para cearem com ele, quando anunciou a sua intenção
de ser monge, ficaram no portão do convento dois dias, esperando que ele
voltasse. Seu pai, vendo que seus rogos eram inúteis e que todos os seus
anelantes planos acerca do filho iam fracassar, quase enlouqueceu.
Assim se justificou Lutero: "Fiz a promessa a
Sant'Ana, para salvar a minha alma. Entrei para o convento e aceitei esse
estado espiritual somente para servir a Deus e ser-lhe agradável durante a
eternidade."
Quão grande, porém, era a sua ilusão. Depois de procurar
crucificar a carne pelos jejuns prolongados, pelas privações mais severas, e
com vigílias sem conta, achou que, embora encarcerado na sua cela, tinha ainda
de lutar contra os maus pensamentos. A sua alma clamava: "Dá-me santidade
ou morro por toda a eternidade; leva-me ao rio de água pura e não a estes
mananciais de águas poluídas; traze-me as águas da vida que saem do trono de
Deus!"Certo dia Lutero achou, na biblioteca do convento, uma velha Bíblia
latina, presa à mesa por uma cadeia. Achara, enfim, um tesouro infinitamente
maior que todos os tesouros literários do convento. Ficou tão embevecido que,
durante semanas inteiras, deixou de repetir as orações diurnas da ordem. Então,
despertado pelas vozes da sua consciência, arrependeu-se da sua negligência:
era tanto o remorso, que não podia dormir. Apressou-se a reparar o seu erro:
fê-lo com tanto anseio que não se lembrava de alimentar-se.
Então, enfraquecidíssimo por tantos jejuns e vigílias,
sentiu-se oprimido pelas apreensões até perder os sentidos e cair por terra. Aí
os outros monges o acharam, admirados novamente de sua excepcional piedade!
Lutero somente voltou a si depois de um grupo de coristas o haver rodeado,
cantando. A suave harmonia penetrou-lhe o coração e despertou o seu espírito.
Porém ainda assim lhe faltava a paz perpétua para a alma; ainda não havia
ouvido cantar o coro celestial: "Glória a Deus nas maiores alturas, paz na
terra, boa vontade para com os homens!"
Nessa altura, o vigário geral da ordem agostiniana,
Staupitz, visitou o convento. Era homem de grande discernimento, e devoção
enraizada; compreendeu logo o problema do jovem monge; ofereceu-lhe uma Bíblia
na qual Lutero leu que "o justo viverá da fé". Por quanto tempo tinha
ele anelado: "Oh! se Deus me desse um livro destes só para mim!" - e
agora o possuía!
Na leitura da Bíblia achou grande consolação, mas a obra
não podia completar-se em um dia. Ficou mais determinado do que nunca a
alcançar paz para a sua alma, na vida monástica, jejuando e passando noites a
fio sem dormir. Gravemente enfermo, exclamou: "Os meus pecados! Os meus
pecados!" Apesar da sua vida ter sido livre de manchas, como ele afirmava
e outros testificavam, sentia sua culpa perante Deus, até que um velho monge
lhe lembrou uma palavra do Credo: "Creio na remissão dos pecados".
Viu então que Deus não somente perdoara os pecados de Daniel e de Simão Pedro,
mas também os seus.
Pouco tempo depois destes acontecimentos, Lutero foi
ordenado padre. A primeira missa que celebrou foi um grande evento. O pai,
irreconciliável, desde o dia em que o filho abandonara os estudos de advocacia
até aquela ocasião, assistiu à primeira missa, vindo a cavalo de Mansfield, com
uma boa oferta para o convento, acompanhado por vinte e cinco amigos.
Depois de completar vinte e cinco anos de idade, Lutero foi
nomeado para a cadeira de filosofia em Wittenberg, para onde se mudou para
viver no convento da sua ordem. Porém a sua alma anelava pela Palavra de Deus,
e pelo conhecimento de Cristo. No meio das ocupações do professorado,
dedicou-se ao estudo das Escrituras e no primeiro ano conquistou o grau de
baccalaureus ad bíblia. Sua alma ardia com o fogo dos céus; de todas as partes
acorriam multidões para ouvir os seus discursos, os quais fluíam abundante e vivamente
do seu coração, sobre as maravilhosas verdades reveladas nas Escrituras. Um dos
mais afamados professores de Leipzig, conhecido como a "Luz do
Mundo", disse: "Este frade há de envergonhar todos os doutores; há de
propalar uma doutrina nova e reformar toda a igreja, porque ele se baseia na
Palavra de Cristo, Palavra à qual ninguém no mundo pode resistir, e que ninguém
pode refutar, mesmo atacando-a com todas as armas da filosofia.
Um dos pontos iluminantes da biografia de Lutero é a sua
visita a Roma. Surgiu uma disputa renhida entre sete conventos dos agostinianos
e decidiram deixar os pontos de dissidência para o Papa resolver. Lutero, sendo
o homem mais hábil, mais eloqüente e altamente apreciado e respeitado por todos
que o conheciam, foi escolhido para representar o seu convento em Roma.
Fez a viagem a pé, acompanhado de outro monge. Nesse tempo
Lutero ainda continuava a dedicar-se fiel e inteiramente à Igreja Romana.
Quando, por fim, chegaram ao ponto da estrada onde se avistava a famosa cidade,
Lutero caiu em terra e exclamou: "Saúdo-te, santa cidade!"
Os dois monges passaram um mês em Roma, visitando os vários
santuários e os lugares de peregrinação. Lutero celebrou missa dez vezes.
Lastimou, ao mesmo tempo, que seus pais ainda não tivessem morrido a fim de
poder resgatá-los do Purgatório! Um dia, subindo a Santa Escada de joelhos,
desejando a indulgência que o chefe da igreja prometia por esse ato, ressoaram
nos seus ouvidos como voz de trovão, as palavras de Deus: "O justo viverá
da fé". Lutero ergueu-se e saiu envergonhado.
Depois da corrupção generalizada que viu em Roma, a sua
alma aderiu à Bíblia mais que nunca. Ao chegar novamente ao seu convento, o
vigário geral insistiu em que desse os passos necessários para obter o título
de doutor, com o qual teria o direito de pregar. Lutero, porém, reconhecendo a
grande responsabilidade perante Deus e não querendo ceder, disse: "Não é
de pouca importância que o homem fale em lugar de Deus... Ah! Sr. Dr., fazendo
isto, me tirais a vida; não resistirei mais que três meses." O vigário
geral respondeu-lhe: "Seja assim, em nome de Deus, pois o Senhor Deus
também necessita nos céus de homens dedicados e hábeis".
O coração de Lutero, elevado à dignidade de doutor em
teologia, abrasava-se ainda mais do desejo de conhecer as Sagradas Escrituras e
foi nomeado pregador da cidade de Wittenberg. Os livros que estudou e as
margens cheias de anotações que escreveu em letras miúdas, servem aos eruditos
atuais como exemplo de como cuidadosa e minuciosamente estudava tudo em ordem.
Acerca da grande transformação da sua vida, nesse tempo,
ele mesmo escreve: "Desejando ardentemente compreender as palavras de
Paulo, comecei o estudo da Epístola aos Romanos. Porém, logo no primeiro
capítulo consta que a justiça de Deus se revela no Evangelho (vv. 16,17). Eu
detestava as palavras: a justiça de Deus, porque, conforme fui ensinado, eu a
considerava como um atributo do Deus santo que o leva a castigar os pecadores.
Apesar de viver irrepreensivelmente, como monge, a consciência perturbada me
mostrava que era pecador perante Deus. Assim odiava a um Deus justo, que
castiga os pecadores... Senti-me ferido de consciência, revoltado intimamente,
contudo voltava sempre para o mesmo versículo, porque queria saber o que Paulo
ensinava. Contudo, depois de meditar sobre esse ponto durante muitos dias e
noites, Deus, na sua graça, me mostrou a palavra: 'O justo viverá da fé.' Vi
então que a justiça de Deus, nesta passagem, é a justiça que o homem piedoso
recebe de Deus pela fé, como dádiva."
A alma de Lutero dessa forma saiu da escravidão; ele mesmo
escreveu assim: "Então me achei recém-nascido e no Paraíso. Todas as
Escrituras tinham para mim outro aspecto; perscrutava-as para ver tudo quanto
ensinam sobre a 'justiça de Deus'. Antes, estas palavras eram-me detestáveis;
agora as recebo com o mais intenso amor. A passagem me servia como a porta do
Paraíso."
Depois dessa experiência, pregava diariamente; em certas
ocasiões, pregava até três vezes ao dia, conforme ele mesmo conta: "O que
o pasto é para o rebanho, a casa para o homem, o ninho para o passarinho, a
penha para a cabra rnontês, o arroio para o peixe, a Bíblia é para as almas
fiéis. " A luz do Evangelho, por fim, tomara o lugar das trevas e a alma
de Lutero abrasava por conduzir os seus ouvintes ao Cordeiro de Deus, que tira
todo o pecado.
Lutero levou o povo a considerar a verdadeira religião, não
como uma mera profissão, ou sistema de doutrinas, mas como vida em Deus. A
oração não era mais um exercício sem sentido, mas o contato do coração com Deus
que cuida de nós com um amor indizível. Nos seus sermões, Deus revelou o seu
próprio coração a milhares de ouvintes, por meio do coração de Lutero.
Convidado a pregar durante uma convenção dos agostinianos,
não deu uma mensagem doutrinai de sabedoria humana, como se esperava, mas fez
um discurso ardente contra a língua maldizente dos monges. Os agostinianos,
levados pela mensagem, elegeram-no diretor sobre onze conventos!
Lutero não somente pregava a virtude, mas praticava-a,
amando verdadeiramente o próximo. Nesse tempo, a peste vinda do Oriente,
visitou Wittenberg. Calcula-se que a quarta parte do povo da Europa, inclusive
a metade da população alemã, foi ceifada pela morte. Quando professores e
estudantes fugiram da cidade, instaram que Lutero fugisse também, porém ele
respondeu: - "Para onde hei de fugir? O meu lugar é aqui: o dever não me
permite ausentar-me do meu posto até que Aquele que me mandou para aqui me
chame. Não que eu deixe de temer a morte, mas espero que o Senhor me dê
ânimo". Assim ele ministrava à alma e ao corpo do próximo durante um tempo
de aflição e de angústia.
A fama do jovem monge espalhou-se ate longe. Entretanto,
sem o reconhecer, enquanto trabalhava incansavelmente para a igreja, já havia
deixado o rumo liberal que ela seguia em doutrina e prática.
Em outubro de 1517, Lutero afixou à porta da Igreja do
Castelo em Wittenberg, as suas 95 teses, o teor das quais é que Cristo requer o
arrependimento e a tristeza pelo pecado e não a penitência. Lutero afixou as
teses ou proposições para um debate público, na porta da igreja, como era
costume nesse tempo. Mas as teses, escritas em latim, foram logo traduzidas em
alemão, holandês e espanhol. Antes de decorrido um mês, para surpresa de
Lutero, já estavam na Itália, fazendo estremecer os alicerces do velho edifício
de Roma. Foi desse ato de afixar as 95 teses da Igreja de Wittenberg, que
nasceu a Reforma, isto é, que tomou forma o grande movimento de almas que em
todo o mundo ansiavam voltar para a fonte pura, a Palavra de Deus. Contudo
Lutero não atacara a Igreja Romana, mas antes, pensou fazer a defesa do Papa
contra os vendedores de indulgências.
Em agosto de 1518, Lutero foi chamado a Roma para responder
a uma denúncia de heresia. Contudo, o eleitor Frederico não consentiu que fosse
levado para fora do país; assim Lutero foi intimado a apresentar-se em
Augsburgo. "Eles te queimarão vivo", insistiram seus amigos. Lutero,
porém, respondeu resolutamente: "Se Deus sustenta a causa, ela será
sustentada".
A ordem do núncio do Papa em Augsburgo foi:
"Retrate-se ou não voltará daqui". Contudo Lutero conseguiu fugir,
passando por uma pequena cancela no muro da cidade, na escuridão da noite. Ao
chegar de novo em Wittenberg, um ano depois de afixar as teses, era o homem
mais popular em toda a Alemanha. Não havia jornais nesse tempo, mas fluíam da
pena de Lutero respostas a todos os seus críticos para serem publicadas em
folhetos. O que escreveu dessa forma, hoje seriam cem volumes.
O célebre Erasmo, da Holanda, assim escreveu a Lutero:
"Seus livros estão despertando todo o país... Os mais eminentes da
Inglaterra gostam de seus escritos..."
Quando a bula de excomunhão, enviada pelo Papa, chegou em
Wittenberg, Lutero respondeu com um tratado dirigido ao Papa Leão X,
exortando-o, no nome do Senhor, a que se arrependesse. A bula do Papa foi
queimada fora do muro da cidade de Wittenberg, perante grande ajuntamento do
povo. Assim escreveu Lutero ao vigário geral: "No momento de queimar a
bula, estava tremendo e orando, mas agora estou satisfeito de ter praticado
este ato enérgico". Lutero não esperou até que o Papa o excomungasse, mas
deu logo o pulo da Igreja Romana para a Igreja do Deus vivo.
Porém, o imperador Carlos V, que ia convocar sua primeira
Dieta na cidade de Worms, queria que Lutero comparecesse para responder,
pessoalmente, aos seus acusadores. Os amigos de Lutero insistiam em que
recusasse ir. -Não fora João Huss entregue a Roma para ser queimado, apesar da
garantia de vida da parte do imperador?! Mas em resposta a todos que se
esforçavam por dissuadi-lo de comparecer perante seus terríveis inimigos,
Lutero, fiel à chamada de Deus, respondeu: "Ainda que haja em Worms,
tantos demônios quantas sejam as telhas nos telhados, confiando em Deus, eu aí
entrarei". Depois de dar ordens acerca do trabalho, no caso de ele não
voltar, partiu.
Na sua viagem para Worms, o povo afluía em massa para ver o
grande homem que teve coragem de desafiar a autoridade do Papa. Em Mora, pregou
ao ar livre, porque as igrejas não mais comportavam as multidões que queriam
ouvir seus sermões. Ao avistar as torres das igrejas de Worms, levantou-se na
carroça em que viajava e cantou o seu hino, o mais famoso da Reforma: "Ein
Feste Berg", isto é: ''Castelo forte é nosso Deus". Ao entrar, por
fim, na cidade, estava acompanhado de uma multidão de povo muito maior do que a
que fora ao encontro de Carlos V. No dia seguinte foi levado perante o
imperador, ao lado do qual se achavam o delegado do Papa, seis eleitores do
império, vinte e cinco duques, oito margraves, trinta cardeais e bispos, sete
embaixadores, os deputados de dez cidades e grande número de príncipes, condes
e barões.
É fácil imaginar que o reformador era um homem de grande
coragem e de físico forte para enfrentar tantas feras que ansiavam
despedaçar-lhe o corpo. A verdade é que passara uma grande parte da vida
afastado dos homens e, mais ainda, achava-se fraco da viagem, na qual foi
necessário que um médico o atendesse. Entretanto mostrou-se corajoso, não na
sua própria força, mas no poder de Deus.
Sabendo que tinha de comparecer perante uma das mais
imponentes assembléias de autoridades religiosas e civis de todos os tempos,
Lutero passou a noite anterior de vigília. Prostrado com o rosto em terra,
lutou com Deus, chorando e suplicando. Um dos seus amigos ouviu-o orar assim:
"Oh! Deus todo-poderoso! a carne é fraca, o Diabo é forte! Ah! Deus, meu
Deus, que perto de mim estejas contra a razão e a sabedoria do mundo! Fá-lo,
pois somente tu o podes fazer. Não é a minha causa, mas sim a tua. - Que tenho
eu com os grandes da terra? É a tua causa, Senhor, a tua justa e eterna causa.
Salva-me, oh! Deus fiel! Somente em ti confio, oh! Deus! meu Deus... vem, estou
pronto a dar, como um cordeiro, a minha vida. O mundo não conseguirá prender a
minha consciência, ainda que esteja cheio de demônios, e, se o meu corpo tem de
ser destruído, a minha alma te pertence, e estará contigo eternamente..."
Conta-se que, no dia seguinte, na ocasião de Lutero
transpor a porta para comparecer perante a Dieta, o veterano general
Freudsburgo, colocou a mão no ombro do Reformador e disse-lhe: "Pequeno
monge, vais a um encontro diferente, que eu ou qualquer outro capitão jamais
experimentamos, mesmo nas nossas conquistas mais ensangüentadas. Contudo, se a
causa é justa, e sabes que o é, avança no nome de Deus, e não temas nada! Deus
não te abandonará" - O grande general não sabia que Martinho Lutero
vencera a batalha em oração e que entrava somente para declarar-lhes que a
havia vencido de maiores inimigos.
Quando o núncio do papa exigiu de Lutero, perante a augusta
assembléia, que se retratasse, ele respondeu: "Se não me refutardes pelo
testemunho das Escrituras ou por argumentos - desde que não creio somente nos
papas e nos concílios, por ser evidente que já muitas vezes se enganaram e se
contradisseram uns aos outros - a minha consciência tem de ficar submissa à
Palavra de Deus. Não posso retratar-me, nem me retratarei de qualquer coisa, pois
não é justo nem seguro agir contra a consciência. Deus me ajude! Amém."
De volta ao seu aposento, Lutero levantou as mãos ao Céu e
exclamou com o rosto todo iluminado: "Está cumprido! Está cumprido! Se eu
tivesse mil cabeças, preferiria que todas fossem decepadas antes de me
retratar".
A cidade de Worms, ao receber as notícias da ousada
resposta de Lutero ao núncio do papa, alvoroçou-se. As palavras do reformador
foram publicadas e espalhadas entre o povo que afluiu para honrá-lo.
Apesar de os papistas não conseguirem influenciar o
imperador a violar o salvo-conduto, para que pudessem queimar numa fogueira o
assim chamado herege, Lutero teve de enfrentar outro grave problema. O edito de
excomunhão entraria imediatamente em vigor; Lutero por causa da excomunhão, era
criminoso e, ao findar o prazo do seu salvo-conduto, devia ser entregue ao
imperador; todos os seus livros deviam ser apreendidos e queimados; o ato de
ajudá-lo em qualquer maneira era crime capital.
Mas para Deus é fácil cuidar dos seus filhos. Lutero,
regressando a Wittenberg, foi repentinamente rodeado num bosque por um bando de
cavaleiros mascarados que, depois de despedirem as pessoas que o acompanhavam,
conduziram-no, alta noite, ao castelo de Wartburgo, perto de Eisenach. Isto foi
um estratagema do príncipe de Saxônia para salvar Lutero dos inimigos que
planejavam assassiná-lo antes de chegar a casa.
No castelo, Lutero passou muitos meses disfarçado; tomou o
nome de cavaleiro Jorge e o mundo o considerava morto. Fiéis servos de Deus oravam
dia e noite pelo reformador. As palavras do pintor Alberto Durer, exprimem o
sentimento do povo: - "Oh! Deus! se Lutero fosse morto, quem agora nos
exporia o Evangelho?"
Contudo, no seu retiro, livre dos inimigos, foi-lhe
concedida a liberdade de escrever, e o mundo logo soube, pela grande quantidade
de literatura, que essa obra saía da sua pena e que, de fato, Lutero vivia. O
reformador conhecia bem o hebraico e o grego e em três meses tinha vertido todo
o Novo Testamento para o alemão - em poucos meses mais a obra estava impressa e
nas mãos do povo. Cem mil exemplares foram vendidos, em quarenta anos, além das
cinqüenta e duas edições impressas em outras cidades. Era circulação imensa
para aquele tempo, mas Lutero não aceitou um centavo de direitos.
A maior obra de toda a sua vida, sem dúvida, fora a de dar
ao povo alemão a Bíblia na sua própria língua - depois de voltar a Wittenberg.
Já havia outras traduções, mas escritas em uma forma de alemão latinizado que o
povo não compreendia. A língua alemã desse tempo era um agregado de dialetos,
mas Lutero, ao traduzir a Bíblia, deu ao povo a língua que serviu depois a
homens como Goethe e Schiler para escreverem as suas obras. O seu êxito em
traduzir as Sagradas Escrituras para o uso dos mais humildes, verifica-se no
fato de que, depois de quatro séculos, a sua tradução permanece como a
principal.
Outra coisa que contribuiu para o êxito da tradução de
Lutero, é que ele era erudito em hebraico e grego e traduziu direto das línguas
originais. Contudo, o valor da sua obra não se baseia tão-somente sobre seus
indiscutíveis dotes literários. O que lhe deu realidade é que ele conhecia a
Bíblia, como ninguém podia conhecê-la, sem primeiro sentir a angústia eterna e
achar nas Escrituras a verdadeira e profunda consolação. Lutero conhecia
intimamente e amava sinceramente o autor do Livro. O resultado foi que o seu
coração abrasou-se com o fogo e poder do Espírito Santo. Foi esse o segredo de
ele traduzir tudo para o alemão em tão pouco tempo.
Como todo mundo sabe, a fortaleza de Lutero e da Reforma
foi a Bíblia. Escreveu de Wartburgo para o seu povo em Wittenberg: "Jamais
em todo o mundo se escreveu um livro mais fácil de compreender do que a Bíblia.
Comparada aos outros livros, é como o sol em contraste com todas as demais
luzes. Não vos deixeis levar a abandoná-la sob qualquer pretexto da parte
deles. Se vos afastardes dela por um momento, tudo estará perdido; podem
levar-vos para onde quer que desejem. Se permanecerdes com as Escrituras,
sereis vitoriosos."
Depois de abandonar o hábito de monge, Lutero resolveu
deixar por completo a vida monástica, casando-se com Catarina von Bora, freira
que também saíra do claustro, por ver que tal vida é contra a vontade de Deus.
O vulto de Lutero sentado ao lume, com a esposa e seis filhos que amava
ternamente, inspira os homens mais que o grande herói ao apresentar-se perante
o legado em Augsburgo.
Nos cultos domésticos, a família rodeava um harmônio, com o
qual louvavam a Deus juntos; o reformador lia o Livro que traduzira para o povo
e depois louvavam a Deus e oravam até sentirem a presença divina entre eles.
Havia entre Lutero e sua esposa profundo amor de um para
com o outro. São de Lutero estas palavras: "Sou rico, Deus me deu a minha
freira e três filhos; não me importo das dívidas: Catarina paga tudo."
Catarina von Bora era estimada por todos. Alguns, de fato, censuravam-na porque
era demasiado econômica; mas que teria acontecido a Martinho Lutero e à família
se ela tivesse feito como ele? Dizia-se que ele, aproveitando-se da doença
dela, cedeu o seu prato de comida a certo estudante que estava com fome. Não
aceitava um kreuzer dos seus alunos e recusava vender seus escritos, deixando
todo o lucro para os tipógrafos.
Nas suas meditações sobre as Escrituras, muitas vezes se
esquecia das refeições. Ao escrever o comentário sobre o Salmo 23, passou três
dias no quarto comendo somente pão e sal. Quando a esposa chamou um serralheiro
e quebraram a fechadura, acharam-no escrevendo, mergulhado em pensamentos e
esquecido de tudo em redor.
É difícil concebermos a magnitude das coisas que devemos
atualmente a Martinho Lutero. O grande passo que deu para que o povo ficasse
livre para servir a Deus, como Ele mesmo ensina, está além da nossa
compreensão. Era grande músico e escreveu alguns dos hinos mais espirituais
cantados atualmente. Compilou o primeiro hinário e inaugurou o costume de todos
os assistentes aos cultos cantarem juntos. Insistiu em que não somente os do
sexo masculino, mas também os do feminino fossem instruídos, tornando-se,
assim, o pai das escolas públicas. Antes dele, o sermão nos cultos era de pouca
importância. Mas Lutero fez do sermão a parte principal do culto. Ele mesmo
serviu de exemplo para acentuar esse costume: era pregador de grande porte.
Considerava-se como sendo nada; a mensagem saía-lhe do íntimo do coração: o
povo sentia a presença de Deus. Em Zwiekau pregou a um auditório de 25 mil
pessoas na praça pública. Calcula-se que escreveu 180 volumes na língua materna
e quase um número igual no latim. Apesar de sofrer de várias doenças, sempre se
esforçava dizendo: "Se eu morrer na cama será uma vergonha para o
papa."
Os homens geralmente querem atribuir o grande êxito de
Lutero à sua extraordinária inteligência e aos seus destacados dons. O fato é
que Lutero também tinha o costume de orar horas a fio. Dizia que se não
passasse duas horas de manhã orando, recearia que Satanás ganhasse a vitória
sobre ele durante o dia. Certo biógrafo seu escreveu: "O tempo que ele
passa em oração, produz o tempo para tudo que faz. O tempo que passa com a
Palavra vivificante enche o coração até transbordar em sermões, correspondência
e ensinamentos".
A sua esposa disse que as orações de Lutero
"eram", às vezes, como os pedidos insistentes do seu filhinho
Hanschen, confiando na bondade de seu pai; outras vezes, eram como a luta de um
gigante na angústia do combate".
Encontra-se o seguinte na História da Igreja Cristã, por
Souer, Vol. 3, pág. 406: "Martinho Lutero profetizava, evangelizava,
falava línguas e interpretava; revestido de todos os dons do Espírito".
Nos seus sessenta e dois anos pregou seu último sermão
sobre o texto: "Ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos e as
revelaste aos pequeninos". No mesmo dia escreveu para a sua querida
Catarina: "Lança o teu cuidado sobre o Senhor, e Ele te susterá.
Amém". Isso foi na última carta que escreveu. Vivia sempre esperando que o
papa conseguisse executar a repetida ameaça de queimá-lo vivo. Contudo não era
essa a vontade de Deus: Cristo o chamou enquanto sofria dum ataque do coração,
em Eisleben, cidade onde nascera.São estas as últimas palavras de Lutero:
"Vou render o espírito". Então louvou a Deus em alta voz: "Oh!
meu Pai celeste! meu Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, em quem creio e a
quem preguei e confessei, amei e louvei! Oh! meu querido Senhor Jesus Cristo,
encomendo-te a minha pobre alma. Oh! meu Pai celeste! em breve tenho de deixar
este corpo, mas sei que ficarei eternamente contigo e que ninguém me pode
arrebatar das tuas mãos". Então, depois de recitar João 3.16 três vezes,
repetiu as palavras: "Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito, pois tu me
resgataste, Deus fiel". Assim fechou os olhos e adormeceu.
Um imenso cortejo de crentes que o amavam ardentemente, com
cinqüenta cavaleiros à frente, saiu de Eisleben para Wittenberg; passando pela
porta da cidade onde o reformador queimara a bula de excomunhão, entrou pelas
portas da igreja onde, há vinte e nove anos, afixara suas 95 teses. No culto
fúnebre, Bugenhangen, o pastor, e Melancton, inseparável companheiro de Lutero,
discursaram. Depois abriram a sepultura, preparada ao lado do púlpito, e ali
depositaram o corpo.
Quatorze anos depois, o corpo de Melancton achou descanso
do outro lado do púlpito. Em redor dos dois, jazem os restos mortais de mais de
noventa mestres da universidade.
As portas da Igreja do Castelo, destruídas pelo fogo no
bombardeio de Wittenberg em 1760, foram substituídas por portas de bronze em
1812, nas quais estão gravadas as 95 teses. Contudo, este homem que perseverou
em oração, deixou gravadas, não no metal que perece, mas em centenas de milhões
de almas imortais, a Palavra de Deus que dará fruto para toda a eternidade.
Bibliografia:
BOYER,
Orlando. Heróis da Fé – Vinte Homens
Extraordinários que Incendiaram o Mundo. 2ª ed. Rio de Janeiro: CPAD. 1986,
pgs. 12-27.